
O mundo se despede de uma das figuras mais influentes do século XXI: Papa Francisco. Primeiro pontífice jesuíta e o primeiro da América Latina, Jorge Mario Bergoglio marcou sua trajetória com uma liderança carismática, voltada ao diálogo, à inclusão e à justiça social. Sua morte representa o fim de uma era marcada por tentativas corajosas de renovação dentro da Igreja Católica, em meio a desafios históricos e culturais.
Desde sua eleição em 2013, Papa Francisco não hesitou em abordar temas delicados e promover uma visão mais acolhedora da fé. Enfrentou críticas internas e resistências ao propor reformas na Cúria Romana, abrir espaço para o debate sobre celibato, ampliar o papel das mulheres na Igreja e adotar uma postura mais compassiva em relação à comunidade LGBTQIA+. Seu legado, repleto de empatia e coragem, deixa um impacto profundo não apenas nos católicos, mas em todo o cenário global.
Comunicado do Vaticano
Jorge Mario Bergoglio, o papa Francisco, morreu aos 88 anos às 2h35 pelo horário de Brasília, 7h35 pelo horário local, desta segunda-feira (21). As informações foram confirmadas pelo Vaticano. O pontífice ocupou o cargo máximo da Igreja Católica por 12 anos.
“O Bispo de Roma, Francisco, retornou à casa do Pai. Toda a sua vida foi dedicada ao serviço do Senhor e de Sua Igreja. Ele nos ensinou a viver os valores do Evangelho com fidelidade, coragem e amor universal, especialmente em favor dos mais pobres e marginalizados. Com imensa gratidão por seu exemplo como verdadeiro discípulo do Senhor Jesus, recomendamos a alma do Papa Francisco ao infinito amor misericordioso do Deus Trino”, diz comunicado oficial.
Alta após quadro de bronquite
Francisco ficou internado por cerca de 40 dias com um quadro de bronquite. A primeira hospitalização foi no início de fevereiro. Nos dias seguintes, o papa começou a ter dificuldades para discursar durante audiências religiosas. Ele admitiu publicamente que estava com dificuldades respiratórias e chegou a pedir para um auxiliar fazer a leitura do sermão.
No dia 14 de fevereiro, o papa foi internado no hospital Agostino Gemelli para fazer exames e tratar a bronquite. Mesmo hospitalizado, ele continuou participando de algumas atividades religiosas. No domingo (16), ele pediu desculpas por faltar à oração semanal com fiéis na Praça de São Pedro.
Já na segunda-feira (17), o Vaticano informou que Francisco estava com uma infecção polimicrobiana — causada por um ou mais microrganismos, como bactérias, vírus ou fungos. O quadro de saúde do papa foi descrito como “complexo”.
No dia seguinte, em um novo boletim, o Vaticano anunciou que o pontífice estava com uma pneumonia bilateral. A infecção é mais grave do que uma pneumonia comum, já que pode prejudicar a respiração e a circulação de oxigênio pelo organismo de uma forma geral.
O Vaticano ainda não deu detalhes sobre o funeral do papa Francisco. A Igreja Católica deve se reunir nas próximas semanas para decidir quem será o novo papa.
Os desafios do papado de Francisco

Apesar de ter sido eleito papa contra a própria vontade, a carreira de Francisco no catolicismo foi uma escolha própria do argentino. Formado em Ciências Químicas e professor de Literatura, o religioso filho de imigrantes italianos acabou optando por se dedicar aos estudos eclesiásticos.
O pontificado de Francisco foi marcado por um equilíbrio delicado entre tradição e mudança. Ao assumir a liderança da Igreja Católica, ele herdou uma instituição em crise, pressionada por escândalos de abuso sexual envolvendo clérigos, perda de fiéis em diversas regiões do mundo e uma Cúria Romana rígida e resistente a transformações. Desde o início, Francisco demonstrou disposição para enfrentar esses problemas de frente, com uma postura firme, mas compassiva.
Entre os principais desafios enfrentados por Francisco esteve o esforço por maior transparência e responsabilização diante dos casos de abusos sexuais. Embora tenha adotado medidas importantes, como a criação de comissões de proteção de menores e a expulsão de membros do clero acusados de crimes, também foi criticado por não agir com mais rapidez ou firmeza em algumas situações. Outro ponto sensível de seu papado foi a tentativa de aproximar a Igreja de temas contemporâneos, como os direitos da comunidade LGBTQIA+, a crise climática, os fluxos migratórios e a desigualdade social — o que lhe rendeu tanto aplausos quanto críticas, inclusive de setores conservadores da própria Igreja.
Internamente, o papa também buscou reformar a estrutura de poder no Vaticano, descentralizando decisões e fortalecendo o papel das conferências episcopais. Sua proposta de uma Igreja mais sinodal — ou seja, mais aberta à escuta e à participação — gerou debates intensos. Ele foi responsável por mudanças simbólicas e históricas, como permitir que mulheres votassem no Sínodo dos Bispos e ocupassem cargos de maior responsabilidade dentro do Vaticano, embora tenha mantido a posição oficial de que o sacerdócio permanece restrito aos homens. Essas escolhas ilustram bem a trajetória do papa Francisco: um líder que procurou avançar sem romper completamente com a tradição.
Discursos políticos e combate à pobreza
Desde o início de seu pontificado, Francisco não hesitou em se posicionar de forma contundente sobre questões sociais e econômicas. Seu discurso sempre foi marcado pela defesa dos mais pobres, dos migrantes, dos trabalhadores e das populações marginalizadas. “Uma Igreja pobre para os pobres” foi uma das primeiras declarações de impacto que deu após ser eleito, sinalizando sua intenção de aproximar a fé católica das realidades mais duras enfrentadas pelo povo.
Com frequência, Francisco criticou abertamente as estruturas econômicas que perpetuam a desigualdade, a exploração do trabalho e a exclusão social. Em várias ocasiões, condenou o “culto ao dinheiro” e o que chamava de “economia da exclusão”, que transforma o ser humano em descartável. Também se destacou por seus pronunciamentos firmes sobre a crise climática, associando a degradação ambiental à injustiça social, sobretudo nos países mais pobres. Sua encíclica Laudato Si’, de 2015, foi um marco ao unir espiritualidade e ecologia, colocando a Igreja no centro do debate ambiental global.
Francisco também não se esquivou de questões políticas delicadas. Fez críticas ao populismo, à xenofobia, à corrida armamentista e ao autoritarismo, sem mencionar diretamente líderes, mas deixando claro seu posicionamento ético. Em tempos de polarização crescente, tornou-se uma das poucas vozes globais a defender abertamente o diálogo entre povos e culturas como caminho para a paz. Com essas posturas, Francisco atraiu a admiração de muitos fora da Igreja e, ao mesmo tempo, enfrentou oposição de setores mais conservadores do catolicismo.
Francisco, antes de ser Papa
Antes de se tornar o líder espiritual de mais de um bilhão de católicos ao redor do mundo, Jorge Mario Bergoglio teve uma trajetória discreta, mas profundamente marcada pelo serviço e pela simplicidade. Nascido em 17 de dezembro de 1936, em Buenos Aires, filho de imigrantes italianos, Bergoglio teve uma juventude comum. Chegou a estudar Ciências Químicas e trabalhou brevemente como técnico em um laboratório antes de sentir o chamado religioso. Ingressou na Companhia de Jesus aos 21 anos, tornando-se jesuíta — uma ordem conhecida pelo rigor intelectual e pelo compromisso com a justiça social.
Durante sua formação, estudou Filosofia, Teologia e também lecionou Literatura e Psicologia em colégios jesuítas. Aos 33 anos, foi ordenado sacerdote e, ao longo das décadas seguintes, trilhou uma carreira pastoral centrada na humildade, no contato com os mais pobres e na vida simples. Foi nomeado arcebispo de Buenos Aires em 1998 e, posteriormente, cardeal em 2001 pelo então papa João Paulo II.
Na capital argentina, ficou conhecido por evitar os privilégios e formalidades do cargo: dispensava carros oficiais, andava de transporte público e vivia em um pequeno apartamento em vez da luxuosa residência episcopal. Sua atuação em Buenos Aires — próxima do povo, firme na doutrina e sensível às questões sociais — foi o que o tornou uma figura respeitada dentro e fora da Argentina, mesmo antes de ganhar notoriedade mundial. Quando foi eleito papa, em 2013, surpreendeu a todos ao escolher o nome Francisco, em referência a São Francisco de Assis, símbolo de pobreza, paz e cuidado com a criação.
O legado de Francisco
O legado de Papa Francisco será, sem dúvida, um dos mais duradouros e transformadores na história da Igreja Católica. Durante seus 12 anos de papado, ele não apenas desafiou as convenções internas da Igreja, mas também se tornou uma figura central no debate global sobre justiça social, paz e dignidade humana. Seu chamado à misericórdia, à compaixão e à humildade ressoou profundamente, especialmente entre os mais necessitados. A sua ênfase em uma Igreja que se coloca a serviço dos pobres e marginalizados redefiniu as expectativas sobre o papel do Vaticano no mundo moderno.
Em termos de reforma, Francisco deixou um legado complexo, mas inegável. Embora tenha enfrentado resistências tanto dentro da Igreja quanto fora dela, sua insistência na busca por maior transparência, reforma das finanças do Vaticano e sua posição mais inclusiva sobre questões como a migração, os direitos das mulheres e a crise ambiental colocaram a Igreja em um caminho que, apesar das críticas, sempre buscou modernizar-se sem perder sua essência. Sua postura de diálogo e abertura em questões como os direitos LGBTQIA+ e a justiça social também foram marcos de sua liderança, refletindo um desejo constante de encontrar soluções para os grandes dilemas contemporâneos.
Mesmo com desafios persistentes, Francisco será lembrado como o papa que, com seu carisma, humildade e coragem, não apenas liderou a Igreja, mas também influenciou debates globais sobre solidariedade, direitos humanos e a busca por um mundo mais justo. Seu trabalho, tanto nas questões internas da Igreja quanto no palco mundial, fez dele uma figura querida por muitos, mas também alvo de críticas por aqueles que esperavam mudanças mais rápidas ou mais radicais.
O Papa Francisco não foi apenas o líder espiritual de bilhões, mas uma voz firme em tempos turbulentos, um homem de fé inabalável que viveu os princípios que pregou, sempre com um olhar atento àqueles que mais precisavam de sua ajuda. Sua morte marca o fim de uma era, mas também deixa um caminho aberto para o futuro da Igreja, um futuro que, como ele sempre desejou, deve ser marcado pelo amor, pela misericórdia e pela justiça.
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